A barca de volta e ida


A minha ida é feita num barco,
Sem uma única onda lavrando a quilha.
Afeito à vida, virada de borco,
Já nem ardor tem, a minha trilha…

O mar que é branco, quebrado
No silêncio que dista d’ilha em ilha,
Será a Visão do oco medo?
Num barquito sem quilha !?

Tod’o ego meu, eu renego
E inclusive me narro e ressalvo,
-Nau sem vida, náufrago
Cansado, fadiga de ser’inda, salvo

Por si mesmo, d’si próprio,
Náufrago sem quilha,
Nau sem vida, nem barc’a sério
Mas que sempre, sempre me auxilia,

Sem saber, aonde acaba o dia ou me leva,
Nesta viagem de volta e ida,
-É o movimento ondeante da onda barca
Na cresta da onda partida,

Que mede a medida da minha nau e avança,
Abranda a luz do dia…
Então aceito que tudo aconteça,
(E confesso um laivo, não de ira, mas de alegria)

Jorge Santos (12/2012)

Hades,rei do mundo escuro



Ouço a esfinge murmurar por dentro,
E furar-me com o olhar cravado,
Por me não poder seguir andando,
Ainda tive vontade de fechar o livro,

Mas um adúltero e mau presságio   
Sugere que dentro, antes eu me feche,
Tal e qual um jogo de esconde e foge
Em que me disfarço d’enigma e mistério.

Ouço a esfinge murmurar por dentro, 
Não creio que seja d’alegria,
Pois soa mais a um triste choro,
Vindo d’alguma fóssil alquimia

Ou silvo de serpente que fascina,
E me convida a migrar pro além.

Hieróglifos Indecifráveis como a sina
Alinham-se em galerias d’aragem

E ouço a esfinge murmurar por dentro
Do passado, no fundo e místico templo
Soa como prenúncio, dum futuro,
E malévolo Deus do crepúsculo.

Joel Matos (12/2012)

O meu parceiro - O positivo



Deixei ficar pra trás o coração e morro devagar,
Como tem de ser; e o que distingue afinal
Um devoto, dum vulgar ramo á deriva num mar,
Pressuposto lar, pra uns; pr’ós outros insonso-sal,

Não é que, ao crepúsculo, eu seja desapaixonado,
Nem ao mar, nem ao dourado das folhas no outono,
Mas vejo-as como se fosse prefácio do meu sonhando,
Sem ter uma ideia separada, para o que é corpo e alma.

Sei que as coisas não são senão coisas com coisas dentro
E comigo passa-se o mesmo, desembrulho
Ideias como se fossem cebolas, com cebolinhas de dentro,
E existir passou a significar tão só, escritos dum embrulho,

Qual quando molhado, esbranquiça e se dissolve.
Sou causa ex-tinta e convenço-me que já não existo
Por ter esbanjado o que o tempo e o espaço serve,
De graça como se vivesse num quarto de beirado.

Cada dia acordo com a visão do que parece um nada-vivo,
Depois debato-me até ao final do dia e acrescento na certeza
O pretender viver, uma espécie de vida de longo prazo,
Tendo no peito e ao vivo, um paradoxal parceiro, “O positivo”.




Joel Matos (12/2012)
http;//namastibetpoems.blogspot.com