Versus de Montanya Mayor
Sud-express , embalado , em lençol deslavado, adormece
rapidamente .
Nos beliches próximos Hamid, gordo e seboso ,
tinha como destino o Cairo , e um estranho sujeito, de olhar magro , detrás dos
óculos redondos , que dizia vir do Alaska .
Na escuridão do compartimento,
apenas o foco de luz da lanterna lhe permite escrever, seria A Luz, sua
companheira nos momentos negros , pelo Pirenéu.
A Primeira noite , ficou em plena
floresta, em Elizondo
, no bosque furioso ,o vento fustigou e uivou como lobo , toda uma noite , sobre
o pequeno e frágil refúgio , azul e negro ,cor da tempestade.
Virando-se para trás, fitou, de
manhã , um esquiço de Pirinéu que não
esqueceria jamais, tinha-se perdido nesse mesmo local, em idos de Junho , doutro
tempo.
Por defronte, bem alto, enfrenta
um rasgo de Pirinéu
tosco, tentará desafia-lo e rasgar o medo de ser solitário.
Já em Urvallo ,numa pequena e
típica cabana de caça, Pako e família ,partilharam com ele uma generosa
refeição inundada a vinho ,os quilómetros seguintes foram divertidos e relaxados
, até encontrar um holandês , que o considerou louco , por cantar em voz alta ;
Mas…quem se poderia considerar são, naquelas intermináveis danças, com árvores e
pedras.
Pensou em Saramago , no “Memorial
do Convento “,”completamente louco , varrido, numa terra , varrida de loucura.”
Burgette,mais alguns km.de
pista e encontra finalmente os primeiros peregrinos de Santiago, inconfundíveis
, no aspecto medievo; poncho, cabelos compridos, chapéus de cabedal e
também de emoções diferentes , ainda não partilhadas por ele , homem pouco dado
a epifanias, pelo
menos até aquele momento.
Chove constantemente, mas , as
mãos bem assentes , como cumprimento , dos peregrinos sobre os seus ombros como
que o protegem .
O trilho, apesar de difícil,
fluía perante os seus olhos, sob os pés cansados,rumo a mais um colo de outras
florestas.
Um belo arco-íris em Mendilaz , nada fazia
prever , perante aquela imagem , o tsunami que essa noite iria cair, felizmente
, o "fronton",
coberto , do campo de pelota basca , evitou males maiores, conseguiu dormir
seco.
Enfim , Ochagavia...Isaba ,depois da
tempestade a bonança , fresca , com cheiros benignos e resinosos ,
acompanharam-no , na respiração rápida e ofegante de caminhante feliz , Col de Somport e Candanchú aproximavam-se
depressa.
Vencendo-se horizontes
,espanta-se que , as novas vistas , sejam diferentes , apesar de iguais , e
assim progride , diariamente , tentando ver o que está por detrás do monte,por
detrás do horizonte.
Os grandes estradões gastos, antes de
começarem os caminhos empinados, permitem-lhe escrever enquanto caminha rápido ,
o tempo , demasiado calmo, anuncia a nova tempestade, nas tardes certas ,sempre
em tempo certo.
Imensos esquilos fugindo, alguns
veados e cavalos , quase o empurram, o céu tinge-se de negro, rugindo forte , ao
som das trovoadas.
"Valle do Ecco" ...escrito no mapa molhado , um Vale, onde nem
os próprios pensamentos , consegue ouvir.
Ascencion e Angel , repartem com ele ,
algumas batatas cozidas,acompanham-no por varias horas , mas logo ficam para
trás .
Apenar os nomes
deles,Angel e Ascencion , não se
enquadram com o local onde os encontrou,Valle do Erro ,seria engano ,estaria errado de novo?
Desacertado encontro com Anjos,
mais tarde haveria de pensar nesse acontecimento.
De novo alcança protecção, na
escuridão de Isaba ,
segunda noite , apesar de fortes dores num pé torcido , quando caiu de uma
ravina , sobre um colchão de folhas , foi a mochila que felizmente amparou a
queda.
Viu então "O S. Miguel," na porta
do mosteiro do século doze , mas só ele o conseguiu ver, foi um sopro de
esperança , na realização da difícil etapa.
Coxeando muito, arrastava o corpo
cansado em direcção de Zuriza e Aguas Tuertas , depois seria Candanchú , Somport, quase doze horas
de marcha , mas pensava conseguir chegar, estava bastante animado.
Acordou ainda era noite fechada,
tinha de estugar o
passo em direcção ao desfecho, iria percorrer um terreno muito mais difícil de
montanha, com trilhos pouco definidos e sem mapa, já que, quando partiu de Irun , não pensava chegar
tão longe.
A neve , fora de época ,
pendurada , nos picos de Penha Forca , incomodava-o, teria de atravessar com
ténis , uma zona de progressão mais técnica e difícil.
Encontra o derradeiro Miguel,
quem sabe, talvez o S. Miguel da porta da Igreja do século doze.
Miguel
nunca tinha pisado a Montanha, condutor de autocarro, resolveu uma semana antes
atravessar esta rota,assim , sem mais , nem menos... .
Graças ao apoio mútuo , chegaram
a Somport
.
Miguel continuará ainda
caminhando, entre os caminhos dos peregrinos e outros,
nos "Versus da Montanya mayor" em busca de outros
viajantes solitários em perigo.
Ele , O Transhumante ,regressará
de novo em Idos de Junho , noutro tempo,na tentativa de chegar a Andorra ,até ao Mediterrâneo e mais
além....Talvez.
Jorge Santos