O
Transhumante
Ou
"Versus de Montanya Mayor"
Sud-express
, embalado , em lençol deslavado,o Transhumante adormece
rapidamente
. Nos beliches próximos Hamid, gordo e seboso que dizia em mau Inglês
ter
como destino o Cairo , e um estranho sujeito, de olhar magro , detrás dos
óculos
redondos ,com poucas palavras em que dizia vir do Alaska .
Na
escuridão do compartimento apenas o foco de luz da lanterna frontal lhe permite
escrever, seria A sua Luz, sua
companheira nos momentos negros , pelo Pirenéu "nos versos de Montanya
mayor".
Na
Primeira noite , ficou em plena floresta, em Elizondo, no bosque furioso ,onde
o vento o fustigou uivando como um lobo
toda uma noite sobre aquele pequeno e frágil refúgio , azul e negro (o bivac)
da cor da potente tempestade.
Virando-se
para trás, fitou na manhã seguinte, um esquiço de Pirinéu que não
esqueceria
jamais, tinha-se perdido e desistido nesse mesmo local, em idos de Junho ,
doutro
tempo,
por defronte, bem alto, enfrenta um rasgo de Pirinéu mais tosco, tentará
desafia-lo e rasgar o medo de ser solitário.
Seguidamente
e Já em Urvallo ,numa pequena e típica cabana de caça, Pako e família
,partilharam com ele uma generosa refeição inundada a vinho que o reabilita e
insta ,os quilómetros seguintes foram divertidos e relaxados,instalou-se nele a
confiança,
Até
encontrar um holandês , que o considerou louco , por cantar em voz alta ;
Mas…quem
se poderia considerar são, naquelas intermináveis danças, com árvores e
pedras.
Pensou em Saramago , no “Memorial do Convento “,”completamente louco , varrido,
numa terra , varrida de loucura.”
Veio
então Burgette,outra pequena aldeia de montanha ,mais alguns km.de
pista
e encontra finalmente os primeiros peregrinos de Santiago, inconfundíveis
,
no aspecto medievo; poncho, cabelos compridos, chapéus de cabedal e
também
de emoções diferentes , ainda não partilhadas por ele , homem pouco dado
a
epifanias, pelo menos até aquele momento.
Chove
constantemente, mas mãos bem assentes , em cumprimentos efusivos dos peregrinos
sobre os seus ombros como que o protegem .
O
trilho, apesar de difícil,fluía perante os seus olhos, sob os pés demasiado
cansados,rumo a mais um colo de outras florestas.
Um
belo arco-íris em Mendilaz,outra aldeia , nada fazia prever , perante aquela
imagem , o tsunami que essa noite iria cair, felizmente o
"fronton",(recinto de pelota basca)
coberto
, evitou males maiores, conseguiu dormir seco.
Enfim
, Ochagavia e Isaba ,e depois da tempestade a bonança , fresca , com cheiros
benignos e resinosos ,acompanhou-o , na respiração rápida e ofegante de caminhante
feliz , Col de Somport e Candanchú aproximavam-se depressa,Venceu-se horizontes
e
espanta-se que , as novas vistas , sejam diferentes , apesar de iguais , e
assim
progride , diariamente , tentando ver o que está por detrás do monte,por
detrás
dos novos e iguais horizonte.
Os
grandes estradões gastos, antes de começarem os caminhos empinados,
permitem-lhe escrever enquanto caminha rápido ,o tempo , demasiado calmo,
anuncia a nova tempestade, nas tardes certas ,sempre em tempo certo.
Imensos
esquilos fugindo, alguns veados e
cavalos , quase o empurram, o céu tinge-se de negro, rugindo forte , ao som das
trovoadas.
"Valle
do Ecco" ...escrito no mapa molhado , um Vale, onde nem os próprios
pensamentos consegue ouvir.
Encontra
Ascencion e Angel,foram companheiros por algumas horas e repartem com ele batatas cozidas,acompanham-no poucos
kilometros , mas logo ficam para
trás
.
Apenar
os nomes destes,Angel e Ascencion , não se enquadram com o local onde os
encontrou,Valle do Erro (vale dos Cavalo),seria engano ,estaria errado de novo?
(como em 2007) Desacertado encontro com Anjos,mais tarde haveria de pensar
nesse acontecimento. De novo alcança protecção, na escuridão de Isaba .
Terceira
noite adormece apesar de fortes dores
num pé torcido de quando caiu de uma
ravina
sobre um colchão de folhas podres , foi a mochila que felizmente amparou a
queda.
Depois
disso viu (ou pensou ver) o que pareceu
"O S. Miguel," na porta
do
mosteiro do século doze,como uma miragem , mas foi só ele que o conseguiu ver
em doze séculos , foi um sopro de esperança , na realização da difícil etapa e
e no finalizar do percurso. Coxeando muito, arrastava o corpo cansado em
direcção de Zuriza e Aguas Tuertas , depois e porventura acabaria chegando a
Candanchú ,coll du Somport, quase doze horas de marcha tarefa árdua , mas pensava conseguir chegar, estava
bastante animado.
Acordou
ainda era noite fechada,tinha de esticar o passo em direcção ao desfecho, iria
percorrer um terreno muito mais difícil de montanha, com trilhos pouco
definidos e sem mapa, já que, quando partiu de Irun,(local da foto acima) , não
pensava chegar
tão
longe ,a neve , fora de época e pendurada nos picos de Penha Forca ,incomodava-o,
teria de atravessar,com ténis , uma zona de progressão mais técnica e difícil.
Encontra
então o derradeiro Miguel,quem sabe, talvez o S. Miguel da porta da Igreja do
século doze (,aquela figura dúbia que apenas a ele ,doze séculos depois do
carpinteiro a talhar lhe parecia mostrar o S.Miguel estilizado na porta de
madeira velha)
Miguel
nunca tinha pisado a Montanha tão seriamente , condutor de autocarro, resolveu
uma semana antes atravessar esta rota ,assim e sem mais , nem menos... .
mas
foi Graças ao apoio mútuo que chegaram
ao
coll du Somport,Candanchú.
Miguel
continuará ainda caminhando, entre os caminhos dos peregrinos e outros,
nos
"Versus da Montanya mayor" em busca de outros viajantes solitários em
perigo.
Ele
,"O Transhumante" ,regressará de novo em outros dias de outros Junhos
, noutro tempo ( por sinal este ano de 2010 a 6 de Junho),na tentativa de
chegar a Andorra ,até ao Mediterrâneo em 2011 ou 2012, e mais além....Talvez,
(porque não Istambul ?)
Jorge
Santos/Transhumante
05/2010
O
Silêncio do Nada
2ª
etapa (Coast to Coast) Atlântico /Mediterrâneo
3
dias (Canfran/Viadós)
O
dia estava morno e ventoso enquanto calcorreava as escadinhas de Alfama, ao fim
do dia despediu-se da companheira o do filho no Museu da água e um táxi levou-o
ao aeroporto, opção que se revelaria incómoda, apesar da rapidez deste meio de
transporte em relação ao autocarro habitual (Lisboa /Madrid costumava demorar
cerca de 9 horas).
Estava
animado pelo sucesso do ano anterior, tinha percorrido 250 km em quatro dias e
meio, ainda não tinha recuperado completamente do pé torcido (talvez nunca
recuperasse), mas nada o detinha na tentativa de atravessar do Atlântico ao
Mediterrâneo, desta vez começaria em Canfran, perto de Candanchú, (coll du
Somport) onde tinha finalizado em 2009,Canfrac era uma linda estação de caminho
de ferro, monumento de outras épocas mas tristemente abandonada junto á
fronteira com a França, esperava ainda os comboios que não mais chegariam, por
estúpidos motivos políticos.
Eram
13:27, hora de almoçar e lançar-se montanha dentro apesar da chuva forte e da
neve em quantidades recordes nas portelas e cumes, percorreria 18 km até ao
anoitecer em Salent Galego
Ao
chegar a Fuerte Col de ladrones, uma pequena fortificação de portagem medieval,
já está encharcado até aos ossos e tremendo de frio, sob a pouca roupa que
tinha consigo, afinal era verão e tinha de carregar o mínimo de peso para
conseguir alguma velocidade num terreno tão inclinado como era aquele com
passagens pelos 2.500 metros e desníveis consideráveis.
O
xisto cinzento parecia fazer crescer um céu tormentoso quando chegou a
Formigal, uma Dantesca estancia de ski, teve de apressar-se ao sentir os
típicos sinais de resfriado provocados pela neve e gelo e o esgotamento dos
cerca de 20 km feitos numa única tarde, quando chega finalmente a Salent Galego
entra na primeira porta e nem negoceia o preço da noite, tinha pressa de secar
e dormir, a última noitada tinha-se passado esperando transporte no terminal
rodoviário de Zaragoza, dando voltas à enorme estação para conseguir manter-se
acordado, sabia que o perímetro demorava uma hora a completar, em passos lentos
e foi assim contando as horas de uma noite difícil, mas era preferível a
acordar sem nada como já tinha acontecido fazia tempo
De
manhã acordou as 7 horas, mas sai do hotel as 8 horas em ponto, com céu limpo
espelhando-se na barragem de Sallent a caminho de Panticosa mas fê-lo pelo
caminho fácil, tinha-se informado previamente da viabilidade de outro caminho
mas a neve continuava intransponível, além disso este estradão ia directo até
ao balneário de Panticosa, outra aberração Pirenaica, uma estação Termal cinco
estrelas inaugurada e logo abandonada, este atalho permitia-lhe aumentar
substancialmente a velocidade média do percurso por ser feito numa estrada e
não num caminho sinuoso e difícil como a maior parte do percurso.
Olha
para o relógio, eram 11 horas e estava já em Panticosa, percorrera 20 km em 3
horas e esteve animado nos restantes 17 km até Bujaruelo onde chegou pelas 5
horas da tarde,a tempo da primeira refeição do dia e recuperar fôlego para os
próximos 18 km até ao Parque natural de Ordesa (Cabana Suaso).
Pela
primeira vez encontra uma alma viva no trilho, assusta-o o rastilhar do mato,
era um corredor de longa distancia que aparece repentinamente, ia na mesma
direcção e mais tarde protagonizaria com ele o abandono do GR depois de se
perderem juntos em Goriz.
Foi
um dia longo, percorreu 56 km, já tinha anoitecido quando se aconchega frio e
molhado na Cabana Suaso cheia de centenas senão milhares de inofensivos ratos,
no Parque Natural de Ordesa e Monte perdido, o pé voltou a resvalar numa pedra
e foi dolorosamente que se arrastou a ultima centena de metros e de novo sob
chuva forte, a chuva constante de todas as tardes Pirenaicas.
Mas
renova-se de energias no terceiro dia pela excelente paisagem de canyons e
florestas densas da zona, Goriz e Anisclo eram agora as metas e seria talvez no
Refúgio de Pineta ou a aldeia de Parzan sua próxima meta,ainda não sabia ele
que chegaria a Parzan sim, mas no carro de apoio do John ,o incontornável
corredor de montanha.
O
trilho escondeu-se sob a erva muito alto, (de novo devido à meteorologia
extrema do ultimo inverno) as confortáveis marcas brancas e vermelhas
desapareceram, esperando por ele mais à frente estava John, o referido colega
de percurso que lhe fazia lembrar uma lebre sendo ele a tartaruga, o outro
corria, e ele, com algum peso às costas (além da idade, que começava a pesar
também, apesar de Transhumante) tentava deslocar-se o mais rápido que podia.
Foram
horas que passaram na busca do trilho e de “Fuen Blanca”um manancial que
indicaria ser por ali o trilho que desceria pela vertente, não podiam inventar,
só aquele trilho os levaria ao vale e ascenderia depois ao colado Anisclo, uma
das subidas mais íngremes de toda a viagem.
Foi
decepcionado que o Transhumante desiste do projecto pelo qual esperou um ano ,
saíndo do percurso, alcançá-lo de novo implicava um dia de marcha e as
condições anímicas não eram as melhores nessa altura para lhe permitirem
retomar o caminho.
Baixa
para a aldeia de Nerin onde felizmente o aguarda John e o transporte que o
coloca de novo na continuação da marcha, desta vez mais á frente, na pequena
aldeia de Parzan, a poucos quilómetros do túnel de Bielsa, pensa que talvez
assim consiga chegar a Benasques , abandonada de vez a vontade de alcançar Andorra.
O aneto, próximo de Benasques marcava a metade do percurso Gr11, costa a costa
e seria suficiente nesse ano ,regressaria mais tarde onde se tinha perdido para
averiguar melhor, por agora estava conformado e cansado,terminou o dia com uma
derrota de portugal face a Espanha no Mundial da África do Sul de 2010 e
jantando na única taberna da Localidade, servido por uma imigrante do Brasil,
ironias do destino.
Tem
40 km para percorrer, o pé inchado dificulta-lhe a marcha, de novo Jonh passa a
correr e despedem-se:-até Benasques, Pensam encontra-se novamente no final mas
não conseguiria lá chegar, ao meio da tarde e feitos apenas 20 km, desiste na
cabana "refúgio de de Viadós", consegue boleia na aldeia de Plan,
haveria de voltar de novo no ano seguinte, esperava ele , e com melhores
condições atmosféricas, talvez com menos neve nos cumes e menos chuva nas
tardes curtas.
Recorda-se
do ano anterior(2009) e do Miguel ,o S. Miguel do convento do século xII ? ou
simplesmente um condutor de autocarro, este ano tinha comparecido diante dele
um Deus alado, O Mercúrio determinado e com asas nos pés ,qual seria no ano
seguinte o personagem que o acompanharia, tinha curiosidade em saber e doze
meses para melhorar do entorse ,talvez não fosse má ideia usar botas na próxima
vez, em lugar dos usados ténis , apesar destas lhe diminuírem consideravelmente
a velocidade.
Em
Ainsa ,depois de Plan ,apanha uma outra boleia boleia (fazia-o recuar aos
tempos em que viajava de boleia pela Europa) desta vez deixa-o na estação de autocarros
na cidade de Barbastro, com destino a Saragoça , Madrid e Lisboa, soube-lhe a
pouco os três dias e meio no silencio do nada (120 km) e depois aquela
interminável viagem de autocarro de 900 km, mas sabe que regressará no ano
seguinte…
Por
agora resta-lhe voltar A Burgos para finalizar de bicicleta o "caminho de
Santiago" até Finisterra, 600 km de trilho e ele ainda pode pedalar,o
movimento dos pedais não o incomoda demasiado,como treino tentará fazer a
estrada mais longa do país ,a N2,com 900 km de Faro a Chaves ou ao
Cantábrico,tão distante para alguns mas tão perto para ele, pensa no seu amigo
Idílio,( http://bacalhaudebicicletacomtodos.blogspot.com ) a pedalar do pólo
Norte ao pólo sul e como gostaria de o acompanhar ou talvez não,está tão habituado
a estar só que encara como natural esse estado,esse silencio...esse nada...
Jorge
santos
http://namastibetphoto.blogspot.com
Junho
de 2010
Transhumante Parte 3 (Diário de um Louco)
Os
primeiros orvalhos do Outono já se faziam sentir nas planícies madrugadas de
Espanha e vestiam-se de ruivo nas espigas e nas vistas da janela do comboio/Hotel Lusitânia. O Transhumante
despertava de uma noite mal dormida em solavancos e guinadas para mais uma
etapa nos Pirenéus, depois de chegar a Madrid ainda teria de percorrer outras
estações e outros comboios mais modernos e rápidos que o levariam até onde
tinha terminado no ano anterior, em Ainsa, S. Joan de Plan/Biadós.
Um
táxi colectivo despejou-o já noite, no fim da estrada de alcatrão que tão bem
conhecera no ano anterior (2010), sabia a distancia que iria percorrer a pé até
ao refúgio, (cerca de vinte quilómetros) mas não, se estaria aberto dada a
proximidade do inverno e, para aumentar a incerteza não tinha comida para essa
noite nem para se lançar nos caminhos costa a costa do GR 11.
Ainda
ponderava na lucidez do seu estado mental e no que o levava a fazer este
disparate de atravessar os Pirenéus do Atlântico ao Mediterrâneo quando as
luzes de um veículo-tod’o-terreno iluminam a estrada, iam na mesma direcção e
tinham uma valiosa informação – O refúgio estava aberto -já tinha transporte e
também onde “senar” e dormir nessa noite, começara bem esta aventura de loucos.
Acordou
“com as galinhas”, mal se avistava já os caminhos ténues da montanha mas
felizmente o bom tempo presenteava ainda um doce fim de Setembro que mais
parecia primavera e nas pernas do Trashumante, as primeiras horas decorreram
gloriosas, corria como um louco, esquecera tudo quanto deixara para traz,
respirava o silencio do nada numa terra inundada de loucura.
Recordava
as manhãs longínquas de quando iniciou dois anos antes em Irun esta rota e lhe
parecia estar tão distante do final, no Mediterrâneo em Cap de Creus, mas
afinal já tinha feito metade, estava agora percorrendo a parte média ou central,
mas também a zona mais alta da cordilheira Pirenaica, onde as tempestades
poderiam ser mais perigosas e as etapas mais dolorosas com desníveis
consideráveis(entre os 900 e os 2.700 metros).
Conhecia
grande parte destes lagos de montanha e parques naturais paradisíacos, melhor
que o resto da cordilheira, mas durante todos os anos que deambulou por aqui,
nunca imaginara que pudesse passar um dia correndo de Norte a Sul ainda menos
como lobo ou urso solitário, quase sem roupa para mudar, sem comida para as
jornadas nem apoio logístico ou mesmo transporte próprio para fazer, depois de
terminadas as jornadas, os 1.100 km que separavam a montanha, do conforto da
casa e da família, da normalidade.
Era
uma rematada loucura estar correndo os 800 km da rota Pirenaica não sendo um
habitante local, habituado e melhor conhecedor da região, para estes bastavam
oito dias, como lhe disseram ser o “record” da travessia, mesmo assim estava
determinado a usar apenas 12 /13 dias, talvez poucos o conseguissem.
Na
porta do refúgio de Estós, num papel escrito a pressa, dizia que o guarda
voltaria próximo do meio-dia e meia hora, tentaria almoçar mais tarde, apesar
do estômago já o avisar, esperava não perder o trilho ou perderia também a
refeição do dia.
Quando
descia o interminável valle de Estos interrogou uma família de camponeses
locais que se encontravam colhendo “setas” (cogumelos), perguntou se estaria na
direcção certa para Andorra e mais uma vez ficou desassossegado perante a
resposta, segundo eles estaria completamente fora de rota e era uma loucura
aventurar-se assim em distancias tão absurdas e sem saber onde estava nem por
onde ir, diziam eles que Gr 11 eram todos os GR’S, pois todos tinham o mesmo
nome GR 11.1,GR 11.2 etc.
Revelou-se
mais uma vez ser desnecessário pedir informações a quem não entendesse as
razões de outros para quebrar as próprias peias mentais.
A
meio da tarde um oportuno “camping” ainda aberto nesta época, junto da estrada
principal que conduz a França pelo túnel de Bielsa, proporciona-lhe a tão
desejada refeição com cerveja para pacificar a sede, já se faziam notar no céu
as nuvens negras da trovoada que aí vinha.
Um
estradão largo e monótono condu-lo durante toda a tarde a uma portela que
tardava em chegar até que, pelas 17 horas encontra duas jovens moças, Ivone e
Elena a porta de um refúgio não guardado, acompanham-no e ajudam-se mutuamente
a superar o medo da tempestade e dos sonhos em que um urso dourado, o devora
devagar até de madrugada.
Tal
como noutra etapa em que Miguel, o S. Miguel “da porta do convento”, foi um
considerável apoio depois de um pé torcido, aqui Ivone e Elena, tiveram também
um efeito reconfortante perante uma noite feita dia com os “flashes” de tantos
e tantos relâmpagos apenas com um mero segundo entre a luz e o som, nos
intervalos via aparecer perfilados “hobbits“ ,”brujas” e outras personagens
surreais.
O
dia seguinte ainda seria mais alucinante que a noite, o ar estava límpido como
sempre fica na bonança depois da alguma tempestade e a correria pelo monte abaixo
embriagava-o, o vento fustigava-o no rosto transpirado e continuava a correr
indiferentes as dores nos joelhos, as bolhas nos pés, ao cansaço de todos os
músculos, alguns até que nem ele sonhava existirem.
A
meteorologia adiantava neve para os próximos dias em cotas acima de 2.500
metros e ele tinha de ser rápido pois apenas teria o dia seguinte para chegar o
mais próximo possível de Andorra.
Tentou
alcançar o refúgio de Colomers, já seu conhecido mas em vão, ao chegar a
“Restanca”, de novo os guardas do refúgio o tentam convencer do perigo grande
que é continuar, de noite e sob a tão terrível tempestade regressada novamente
durante a tarde e num caminho mal balizado nessa zona. Ele convence-se a
deixa-se ficar perante uma promessa de jantar, cama seca e do primeiro banho em
muitos dias.
Mais
uma vez acorda com pesadelos, noite cerrada, para tentar fazer render o último
dia antes do nevão, das pistas de montanha ficarem tapadas pela neve.
Surpreende-se da forma física que tem aumentado desde que chegou e da vontade
anímica de correr por entre os caminhos tortos dentro do parque de
Saint-Maurici/Encantats.
Chega
a Espot ainda cedo, resolvido a não continuar mais além, o céu prometia neve
mas sentia a sensação “Dulce” de dever cumprido. Andorra era já ali ao virar,
no total das 3 etapas tinha percorrido 2/3 dos 840 km que separavam o Atlântico
do Mediterrâneo pelo trilho do Gr 11, recomeçaria no próximo ano por Esterri
D’Aneu, agora já por Barcelona/Manresa, mas de avião, a viagem de 24 horas
comboio/autocarro para superar os 1.100 km entre casa e o objectivo era mais
cansativa que a travessia da montanha grande.
Tinha
um sonho por realizar entretanto, pedalar 13.000 km de Xi’na a Istambul por
entre etapas e alucinações, desertos e visões de outros mundos mais ou menos
paralelos.
http://joel-matos.blogspot.com
Jorge
Santos (09/2011)
Fantasmas
e javalis ou um poema de longo curso
Dormira acarinhado pela noite amena, ali próximo,
a poucos quilómetros de Andorra, agora era acordado pelos grunhidos dos
Javalis, o Transhumante assustou-se ainda um pouco mas não demorou muito a lembrar-se
onde estava; voltara ao GR 11 para tentar terminar o que começara quatro anos
antes, no ano de 2009, em Irun .
Dava agora mais valor que há anos atrás às
pequenas ocorrências diárias, talvez a falta de acontecimentos o fizesse
valorizar mais os sons os cheiros ou os encontros casuais com os escassos
caminhantes ou montanhistas.
Actualmente encontrava-se no Vale de Madriu,
muito perto de Andorra e à sua volta os javalis esforçavam-se por manter o
terreno chafurdado como era seu hábito.
Demorara cerca de cinco horas desde a partida de
Lisboa em avião, fez escala em Barcelona na manhã quente de sábado,15 de
Setembro de 2012 e ainda fazia calor apesar de cair a tarde, estava um calor
abafado e sem vento quando chegou a Andorra de Autocarro, tempo apenas de comer
no primeiro bar de comida rápida, ainda tentou recomeçar onde tinha finalizado
em 2011,em La Guingueta D’Aneu, mas em vão, o próximo bus apenas seria na
segunda-feira, dois dias depois.
As grandes cidades não lhe despertavam muito
interesse, mesmo aquela magnífica “Babel” com as torres de Gaudi.
Lembrava-se bem do vale de Madriu, isso sim, já
tinha passado por aqui com um amigo o J.J. Portela há bastantes anos atrás, mas
ainda se recordava d’alguns pormenores do percurso, onde tinha tirado uma ou
outra fotografia, dos lugares e fontes onde bebera uma boa água, cristalina
como diamante, lagoas de azul-turquesa, lembrava-se todavia das montanhas que não
mudam muito, mudam-nos a nós…e muito essencialmente por de dentro.
Uns grupos de escaladores Catalões (pareciam escaladores pelo aspecto) na cabana
“dels esparvers” recomendam-lhe de uma forma pouco simpática que procure outro
refúgio pois aquele encontra-se lotado, a resposta foi igualmente fria e este
disse-lhes que não precisava de tecto para dormir, qualquer recanto da floresta
seria a sua casa nos próximos dias.
Perguntaram-lhe o que estava fazendo ao que o
Transhumante respondeu que tencionava acabar o GR 11 em quinze dias; a resposta
foram gargalhadas, pois que isso não era possível já que o ídolo da Catalunha e
quiçá mundial e amigo pessoal destes, Kilian Jornet o havia feito em sete dias
e os quinze, seria até mesmo assim impensável, até para um fantasma e os
Pirenéus estavam pejados deles…de fantamas e intrujões.
Ficaram mais aliviados quando lhes disse que
todos estes Quilómetros, os estava fazendo mas em suaves etapas anuais.
Era noite quando alcança finalmente o refugi
Engorg’s e acende uma fogueira, cerra a porta e deixa-se adormecer pela segunda
noite na montanha alta.
Mais uma manhã magnífica fá-lo lembrar que o
tempo estável em montanha não pode durar muito, sabe que em breve terá borrasca
e ele está demasiado exposto aos elementos e sem qualquer apoio para
menosprezar a segurança.
Pernoita seguidamente no enorme mosteiro do vale
de Núria,chega muito tarde e cansado ao meio de muitos turistas que o miram,
tinham subido no trem de cremalheira desde Queralbs, estavam limpos e
perfumados ao contrário dele, mas o banho merecido limpa-lhe a alma e é um novo
Transhumante que se faz ao caminho na manhã seguinte por um caminho denominado
“via dos engenheiros” onde o perigo espreita bem lá no fundo da falésia, tinha
de não olhar para baixo.
Nesse dia um sol admirável e uma madrugada
mansa, limpam-lhe a mente e o caminho até Malnu (onde viveu Kilian Jonet)
alcança Puigcerdá mas não consegue chegar até planoles nesse dia, planeava
dormir num camping aí existente mas de novo encontra lugar entre os seus amigos
javalis no Bivoac “azul –
cor-de-tempestade” mas numa benévola floresta de pinheiros e acácias
recordava-se do trajecto de outros anos e das tempestades nesta serrania que
podem assustar o mais arrojado dos homens e mesmo os Transhumantes não estão a salvo dos fantasmas do medo.
No dia seguinte, entre Dorria e Planoles mais um
encontro, desta vez com um caminhante sobrecarregado, pergunta-lhe o Transhumante
da razão de ir tão pesado; a resposta foi imprevista, disse-lhe que iria passar
muitos meses na montanha fazendo o percurso inverso dele, começara em Cap-de-Creus
e iria terminar não em Irun mas noutro lugar da península Ibérica , talvez
Finisterra ,ou Núxia através do Caminho de Santiago francês ou mesmo Lisboa ou
Faro, perguntou ao Transhumante qual a sua opinião sobre o melhor percurso,
este disse-lhe que pelas Astúrias, o chamado “Camiño del Norte”, seria uma melhor
opção pela a beleza da paisagem embora de inverno fosse de muito difícil
progressão devido à neve e nevoeiros intensos.
Depois de Almoçar bem em Planoles num bom
restaurante ( o referido camping estava
fechando)ainda consegue alcançar Núria no fim de dia, corre atrás do sol que
teima em esconder-se por detrás dele e projecta uma sombra de onde não consegue sair por mais que corra, e que
suba naquele horizonte árido e maravilhoso, estava junto ao ponto mais alto da
catalunha “o Puigmal” ,o ponto mais elevado do, possível mente mais jovem país do mundo,”A Catalónia” ou Catalunha. Para os “amigos”.
Distingue-se ao longe uma primeira grande massa
escura de nuvens, como que atraídas por ele, espectros negros que o perseguem
vindos de outras épocas de guerras civis, Hemigway’s e contrabandistas.
Para o trasnhumante, assim como para os
fantasmas não havia fronteiras nem parerdes, a vida fluía e era como um poema
de longos discursos com ele mesmo…e com os emboçados fantasmas.
Ao fim da manhã estava em Setcases com os sinais
de tempestade mais próximos, mais tarde resolve sentar-se com os velhos e
velhas na taberna da aldeia, conversam sobre rituais antigos e praticas de
transumância há muito abandonadas mas que não esquecem pela liberdade que
usufruíam na montanha.
Dizem – lhe também ser muito perigoso continuar naquelas
condições, contam-lhe do ultimo inverno em que morreram de frio num mesmo local
onze alpinistas no mesmo percurso que ele iria iniciar, ainda tenta durante a
tarde continuar, mas regressa à cavaqueira de café a as historias da
transumância até cair de cansaço numa cama de “hostal” no virar da esquina
Foi calorosa a separação, com os velhos
transumantes que de manhã cedo estavam pousados no mesmo sítio no mesmo sonho e
começa, já em passo de corrida o que até aí tinha feito em passo rápido,
confiava mais no pé direito que tinha torcido um ano antes e muitas vezes
torcia com dores terríveis mesmo enquanto corria ou andava simplesmente a pé,
depressa chega a aldeia de molló.
Depois foi Beget com uma linda igreja Românica e
Albanyá foi o próximo ponto de passagem com Sant Aniol d’aguja no centro de uma
vegetação tropical e uma humidade de cem por cento, de perder o fõlego, mas
recupera-o depressa a poucos quilómetros de Albanyá, na vertiginosa descida duma
interminável estrada de cimento, é quando vê pela primeira vez o Mediterrâneo,
pondera ainda se não terá chegado a hora de terminar aquele sofrimento físico,
segredam-lhe de manso no ouvido para continuar mas ele inutilmente mira sobre o
ombro tentando ver sombra ou espectro mas nada, apenas a floresta, agora bem
mais seca e amarelada pelo inicio de Outono.
Almoçou
na casa de um camponês que escrevera na porta em letras toscas “servimos bebidas
e refeições”,
Regara
bastante bem a “botifarra,” o feijão branco e a salsa com um bom vinho caseiro,
sentia-se tonto quando passou por ele,pouco depois um casal de ciclistas (faziam o percurso contrário tentando chegar a
Irun num percurso por vezes paralelo quando não o mesmo, mas mais propício para
bicicletas de todo o terreno ) perguntam-lhe se estava bem , sim; respondeu :
-estava melhor que nunca e continuou sorrindo de
satisfação enquanto se afastava cambaleando em direcção ao “mar-do-outro-lado”.
Era tarde de quinta-feira e o voo de regresso
seria no domingo seguinte, bem cedo; havia que fazer concessões e em boa hora o
pensou porque uma boleia para Lançá o deixa mais confortavelmente próximo de
Cap-de-creus e do destino, do ponto de encontro com os ancestrais que o
perseguiam desde Irun, desde que começou caminhando no mar-de-cima.
Compreende agora por que razão este foi o ponto
de encontro escolhido, a paisagem é torcida e retorcida, esburacada até, pelos
ventos e marés, criando uma súbita catarse de estilos e sentidos que não tem
igual no mundo,
Lembrou-se de uma frase de Platão, “só os mortos
conhecem o fim do mundo” e aqui parecia-lhe o mundo do fim do mundo e perguntou-se:
-“se não estaria morto”.
Em Port-de-La-Selva conheceu um simpático casal que
o acompanhou, falavam demais e interromperam as conversas que vinha fazendo
consigo mesmo, ao longo do caminho todo desde Irun,
Sentia-se incomodado mas deixou correr os
acontecimentos, afinal era assim que decidira viver, como Trashumante, ao sabor
do ar e das torrentes do tempo, domando criaturas e paisagens. Umas mais rústicas
e pacatas e outras mais céleres e aladas como aves gritantes.
Foi um individuo aliviado que chegou finalmente
a Creus e a Cadaqués a povoação escolhida por Dali, Picasso, Gaudi e muitos
outros para tertúlias sazonais.
Sentia pouco
profundo, o apenas ter feito um trilho comprido, nada mais, apenas um comprido e
inestético poema sem métrica.
Os fantasmas não compareceram ao encontro,
ficaram pelos montes com medo da “tramutana” (vento norte desta latitude que
afasta as tempestades vindas do Pirinéu Catalão) esperava senti-los mais
próximos da pele noutro continente, em
Xi’an, quando iniciasse a rota da seda em bicicleta ou talvez nas tempestades
de areia do deserto do taklamakan, que costumam soterrar estradas, caminhos e
viajantes oportunistas.
Provavelmente o Transhumante ficaria nos Pirenéus
e regressaria de novo a Irun ou Hendaye pelo mesmo trilho mas agora a sós, não
me agradava a ideia de voltar a percorrer com ele outra e outra vez o mesmo
cenário os mesmos calhaus e precipícios e os mesmos sonhos extintos.
Prestou ali mesmo, no farol do cabo de Creus, homenagem
aos homens que conduziam o gado dos pontos mais altos dos Pirenéus no inverno
até as planícies da erva, “os Transumantes “, A transumância foi uma prática há muito finda, para dar lugar a
uma mera indústria turística que flagela as encostas desta soberba serrania com
um excesso de pistas de esqui e uma paisagem lunar de dar medo até a um
Transhumante, como tinha orgulho em se considerar …( EU TE SAÚDO TRANSUMANTE )
Jorge Santos
(Setembro 2012)